quarta-feira, março 30, 2011

Ryszard Kapuscinski, realidade ou ficção?

Ryszard Kapuscinski, realidade ou ficção? Artigo do jornal Público de março de 2010 sobre uma biografia que põe em causa a veracidade da carreira do "maior repórter do mundo" Ryszard Kapuscinski.

Biografia polémica editada na Polónia
Ryszard Kapuscinski, realidade ou ficção?
15.03.2010 - Sérgio C. Andrade

Kapuscinski Non Fiction é o título do livro do jornalista Artur Domoslawski, que foi especial amigo do homem que escreveuO Império. ?O autor da biografia recusa a ideia de estar a trair a memória do seu companheiro de profissão. "Se ele tivesse escrito uma biografia de alguém, tê-lo-ia feito de uma maneira similar à minha. Mas não ficaria feliz por ler a sua", diz Domoslawski

A polémica está instalada, por estes dias, na Polónia, mas promete ter réplicas a nível mundial equivalentes à repercussão mediática do nome que está no seu epicentro: terá Ryszard Kapuscinski (1932-2007), o jornalista e escritor polaco que chegou a ser considerado "o maior repórter do mundo" e foi também anunciado como candidato ao Nobel, ficcionado as suas reportagens sobre as inúmeras figuras e eventos históricos que reportou ao longo da sua carreira?

A reposta é "sim", a crer na biografia que lhe foi dedicada por um seu grande companheiro e amigo, o jornalista também polaco Artur Domoslawski, e que acaba de ser editada na Polónia. Com o título Kapuscinski Non Fiction, o livro deste jornalista do respeitado diário polaco Gazeta Wyborcza, após um demorado trabalho de investigação, sustenta que o autor de A Guerra do Futebol forçava e ficcionava muitas das suas reportagens para que elas ganhassem maior dramatismo e impacte mediático. Citado pela AFP, Domoslawski afirma que Kapuscinski "criou criteriosamente o seu próprio estatuto de lenda", ao mesmo tempo que "estendeu as fronteiras da reportagem para o reino da literatura". Esta veneração pela figura e pela obra do amigo não o impediu, contudo, de seguir os preceitos do melhor jornalismo para inquirir a verdade por trás das famosas narrativas de Kapuscinski.

Domoslawski diz que foi levado a desconfiar das histórias do famoso repórter quando percebeu que ele se refugiava em respostas evasivas sempre que instado a esclarecer as circunstâncias em que tinha realizado determinados trabalhos. É o caso, por exemplo, dos seus badalados encontros com figuras históricas como Che Guevara ou Patrice Lumumba.

"Tentei responder a uma série de perguntas-chave para o entender", justifica o autor da biografia em entrevista ao jornal El País, onde se defende das acusações que ela originou na Polónia, mesmo antes de ter chegado às livrarias, no início de Março. A viúva de Ryszard Kapuscinski, Alicjia, tentou mesmo que o Tribunal de Varsóvia impedisse a distribuição do livro, e o antigo ministro polaco dos Negócios Estrangeiros, Vladislav Bartoshevski, comparou a biografia a um "guia de bordéis", ainda segundo a AFP.

Se o mal-estar de Alicjia Kapuscinski é compreensível, já a reacção do político polaco é sintoma de uma irritação mais generalizada neste país por estar a ser posto em causa o nome de alguém que é visto como um "herói nacional". De facto, a história pessoal de Kapuscinski acompanha, de certo modo, a própria história da Polónia durante grande parte do século XX.

Nascido na cidade de Pinsk (actualmente na Bielorrússia), em 1932, Ryszard Kapuscinski licenciou-se em História e iniciou a sua carreira de jornalista numa publicação juvenil. No final dos anos 50, ingressou na agência noticiosa polaca PAP (Polska Agencjia Prasowa), tornando-se no correspondente internacional oficial, e exclusivo, durante várias décadas. Nessa qualidade, reportou mais de uma vintena de revoluções e golpes de Estado e acompanhou uma dúzia de guerras na África, Ásia e América Latina.

Testemunha única

Dessas experiências profissionais nasceram, para além dos relatos jornalísticos, alguns livros que tornariam Kapuscinski num dos mais conceituados repórteres e escritores em todo o mundo, distinguido com vários prémios, entre os quais o Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades, em 2003.

Desses livros, avultam Ébano. Febre Africana (edição Campo das Letras, 2001), por onde passa a figura de Patrice Lumumba (1925-1961), o líder africano que foi o herói da libertação do Congo do colonialismo belga, O Imperador (edição Campo das Letras, 2004), sobre a queda do ditador da Etiópia Hailé Seilassié, A Guerra do Futebol, sobre o conflito que em 1969 opôs as Honduras e El Salvador, e O Império (Campo das Letras, 2005), que reúne reportagens e reflexões sobre a sua viagem à Rússia de 1989-91, quando o império soviético estava já em declínio e Kapuscinski tinha já trocado a crença nos valores do comunismo pela defesa do Solidariedade de Lech Walesa.

No livro Kapuscinski Non Fiction, Artur Domoslawski desvenda que muitos desses relatos e encontros com figuras da História foram ficcionados ou manipulados, como terá acontecido com o de Patrice Lumumba, já que, assegura o autor, a primeira vez que Kapuscinski viajou para África já o líder congolês tinha sido assassinado. O jornalista da Gazeta Wyborcza diz também que entre as centenas de pessoas que inquiriu em todo o mundo para traçar o perfil de Kapuscinski está uma jornalista etíope que considera a narrativa O Imperador (que chegou a dar origem a uma produção teatral em Londres) mais devedora do imaginário das Mil e Uma Noites do que da real biografia do ditador Hailé Seilassié.

Outra situação contestada é a do encontro do jornalista polaco com o mítico Che Guevara, que surge referido nas capas de edições inglesas dos seus livros, mas que nunca terá verdadeiramente acontecido. Quando confrontado por um biógrafo americano do líder guerrilheiro argentino, Kapuscinski terá admitido que essa referência se devera a "um erro" dos seus editores britânicos. Mas nunca a corrigiu, deixando assim que ela adornasse a sua biografia e a sua lenda de repórter sem fronteiras, nota Domoslawski. Este investigou também as situações em que Kapuscinski dizia ter escapado a pelotões de fuzilamento, e das quais só conseguiu confirmar uma: em todas as outras, o repórter "era a única testemunha do que supostamente lhe tinha acontecido", diz.

"Eu tentei resolver uma série de perguntas-chave para entender Kapuscinski. Por exemplo: como é que ele fez a sua carreira de grande repórter dentro de um regime não-democrático", justifica-se ainda Domoslawski na citada entrevista ao El País, referindo-se à circunstância de durante grande parte da sua vida Kapuscinski ter estado nas boas graças do regime comunista polaco e de ter acreditado na bondade do sistema soviético.

Por outro lado, Domoslawski recusa a ideia de que está a "trair" a sua amizade por Kapuscinski. "Não aceito essa acusação. Quem ler o meu livro, dar-se-á conta de que a biografia foi escrita com uma enorme simpatia por Kapuscinski. Ele fascina-me", acrescenta o biógrafo, voltando a enaltecer a sua escrita e a realçar que ele não só "ajudou a entender universalmente os mecanismos do poder", como deu voz às populações excluídas principalmente nos países do Terceiro Mundo, além de que "elevou a reportagem ao nível da grande literatura".

"Se ele tivesse escrito uma biografia de alguém, tê-lo-ia feito de uma maneira similar à minha. Mas não ficaria feliz por ler a sua", admite Domoslawski.


Ryszard Kapuscinski. O melhor repórter do mundo ou uma fraude?
Publicado em 06 de Novembro de 2010 (jornal i)

Dois livros, duas versões. "Kapuscinski Non-Fiction" acusou-o de ficcionar as suas histórias. Agora uma biografia vem defendê-lo

Garcia Márquez considerou-o o maior jornalista do século xx. Atravessou 27 golpes de estado e revoluções, elevou a reportagem ao nível de obra literária, foi candidato ao Nobel e vencedor do prémio Príncipe das Astúrias. Era "o correspondente de guerra", "o repórter completo". Para outros tantos, simplesmente "o mestre", ou "Kapu". Pode a morte ter arrancado o mestre do seu pedestal?

Ainda o mundo recebia a notícia da morte de Ryszard Kapuscinski, em 2007, quando surge o primeiro abalo. Afinal o autor de "Ébano" e de "Viagens com Heródoto", o jornalista que se tinha transformado numa referência era afinal, um espião dos serviços secretos comunistas. Kapu só terá conseguido atravessar fronteiras e ser correspondente da agência polaca PAP durante décadas porque assinou um acordo em que se comprometia a enviar informações dos países por onde passava.

Em Março deste ano, o segundo abalo. "Kapuscinski Non-Fiction", escrito pelo amigo e jornalista polaco Artur Domoslawski (chega às livrarias espanholas na próxima semana), acusou-o de ficcionar as suas reportagens, inventar encontros e acontecimentos, alimentar uma lenda, ter amantes e, mais uma vez, ser um espião comunista.

Agora "Kapuscinski. Una biografía literaria" (na edição espanhola, que chegou às bancas esta semana), escrito pelos estudiosos da sua obra Beata Nowacka e Zygmunt Ziatek, quer repor a reputação do jornalista. Na biografia que incluiu análises das reportagens de Kapu, os polacos também respondem às acusações de Domoslawski: defendem a opção de Kapuscinski pela "criação literária" e justificam algumas imprecisões dos relatos do repórter.

Jornalismo ou Literatura? Domoslawski atacou os textos de Kapucinski: muitos "rompem as fronteiras entre o jornalismo e a ficção" e estão mais próximos da literatura que do jornalismo. Na biografia, Nowacka e Ziatek vêm defender "o direito do escritor" de, ao optar pela reportagem narrativa, "descrever as suas aventuras com imaginação e criatividade e de acordo com as leis da memória".

Imprecisões? Kapucinski fala de vários momentos em que terá escapado a pelotões de fuzilamento, mas Domoslawki só conseguiu confirmar um: nas outras ocasiões, o repórter era "a única testemunha do que lhe tinha acontecido". Domoslawski nota ainda que encontros com figuras como Patrice Lumumba e Che Guevara terão mesmo sido inventados. Quando Kapu se deslocou pela primeira vez a África já o líder congolês tinha sido assassinado e quando foi questionado pelo biógrafo de Che sobre o encontro descrito nas costas das edições inglesas dos seus livros, Kapu admitiu que essa referência tinha sido um erro dos seus editores. O facto de nunca ter desmentido a história leva o amigo jornalista a descrevê-lo como alguém que gostava de alimentar "a lenda" e de ser visto como "um tipo duro: um repórter que não teme a guerra".

Em "Kapuscinski. Una biografia literária", Nowacka e Ziatek justificam algumas imprecisões pela distância temporal entre o momento da acção e o momento da escrita: entre 1962 e 1972, Kapucinski escreveu notícias de agência; só a meio dos anos 70 transportou as suas experiências para reportagens.

Espião? Domoslawski começou a investigação com uma pergunta-chave na cabeça - "Como fez carreira de grande repórter dentro de um regime não democrático?" - e concluiu que isso só seria possível se tivesse caído nas boas graças do regime comunista. O nome "Ryszard Kapucinski" consta dos ficheiros da antiga polícia secreta. Ao lado acrescenta-se que durante anos "não contribuiu com nenhuma informação interessante". A viúva do repórter, Alicjia Kapuscinski - que recorreu ao Tribunal de Varsóvia para tentar impedir a publicação de "Kapuscinski Non-Fiction" -, garantiu numa entrevista que Kapu nunca foi um espião. O contrato com o regime foi simplesmente "o preço que teve de pagar" para, debaixo de um governo comunista, se "tornar o repórter que foi".

sexta-feira, março 18, 2011

"O povo unido não precisa de partido"

Mais um hino à histórica manif da geração à rasca.
O título destaca uma das tarjas presentes na manif.
Blasted Mechanism - puxa para cima!

segunda-feira, outubro 11, 2010

Entrar/Circular/Sair nas Rotundas

Porque todos os dias circulamos em Évora e ainda hoje me deparei com dois "beijinhos" e grandes discussões sobre quem tem ou deixa de ter a culpa, aqui está uma boa explicação. Aaahhh!!! Não se esqueçam dos piscas