Vai na íntegra, com abraço solidário à mistura.
Vamos ao Circo!
São três da tarde e estou deveras chateado com a vida, não só com a minha, mas com a deste país meio-vivo para não dizer quase morto. Quem escuta a nossa classe política e lhe dá ouvidos, e dar ouvidos nem sempre é sinónimo de pensar no que se ouve, até pode considerar que a crise começa a ser coisa do passado. O presente e o futuro trarão mais oportunidades de emprego, salários mais elevados, melhores condições de vida, um Estado social mais justo. O primeiro – ministro fala disto à boca cheia, com a certeza de quem está a construir uma política estratégica para os próximos 30 anos, do alto da sua arrogância e do seu autismo, ignorando a realidade vivida por milhares de portugueses. Entristece-se, diz, sempre que uma empresa fecha as portas e compreende o desespero dos trabalhadores, ao mesmo tempo que os administradores dessas mesmas empresas põem os seus porsches a funcionar e acenam na derradeira despedida. Entristece-o, o despedimento de milhares de trabalhadores mas discursa com um toque que deixa transparecer que a vida é mesmo assim. Fala seguro na posição de quem não tem que gerir um orçamento familiar com um ou dois ordenados mínimos, quando assim é, ou na incerteza da instabilidade laboral. E isto até lhe dá força para continuar a desenvolver políticas que apostam sobretudo na entrega de quase tudo ao sector privado. Deveria ser motivo, também, para os trabalhadores (que deixaram de o ser) ganharem força para reorganizar suas vidas. Como? Sempre podem fazer umas plásticas e fazerem-se passar por trabalhadores novos e activos, cheios de pujança para começarem do zero; podem forjar diplomas e em vez de terem o 9º ano ou menos de escolaridade, apresentaram-se como licenciados e promissores quadros superiores. Senhor primeiro-ministro, muitas dessas pessoas têm entre quarenta e cinquenta anos; senhor primeiro-ministro, muitas dessas pessoas têm uma baixa escolaridade; senhor primeiro-ministro, muitas desses trabalhadores não vão conseguir outro trabalho na vida e os que conseguirem farão uns biscates sem pagar os respectivos impostos.
E os jornalistas, em particular, e os órgãos de comunicação social em geral, claro está, cumprem os desígnios do Exmo. Sr. primeiro, não fossem arranjar complicações de maior a quem parece estar sempre a gritar com um megafone colado à boca, bem no meio da arena do circo da propaganda política governamental. Para os media, o que importa é captar o momento em que o ex-operário fabril grita e chora, condição fundamental para apimentar a abertura do telejornal. A resposta da administração, na maior parte das vezes, já sabem qual é: “ninguém da administração se mostrou disponível para prestar declarações”. E como é sempre a mesma resposta, já nem vale a pena tentar a pergunta. Um minuto e meio de choro e gritaria é o suficiente para a máquina mediática converter audiências em publicidade e publicidade em lucro. Digamos que os media, neste espectáculo circense com várias arenas em cena simultaneamente, são como os anões que aparecem quando menos se espera e que, na maioria das vezes, entretêm mais que os palhaços. São desastrados e nunca fazem nada correcto a não ser entreter com o que fazem de errado.
E neste circo somos todos espectadores, ou pelo menos todos fazemos figura de espectadores, autorizados a bater palmas quando as manobras circenses correm bem. Mesmo que alguém caia do trapézio, batemos palmas, porque o que conta é a intenção, é o esforço da tentativa. E já que o governo se está a esforçar tanto, para quê denegrir a sua imagem mesmo quando alguma coisa corre mal? O melhor é apertarmos a bola vermelha que temos no lugar do nariz e bater palmas como as focas domesticadas.
E porquê chatearmo-nos com o que quer que seja. Senão vejamos: está a aproximar-se o fim-de-semana, vai haver futebol e o domingo, se deus quiser, apresentar-se-á soalheiro para podemos ir todos até às lavagens automáticas de automóveis puxar o lustro ao nosso tuning artilhado até ao chassi. Depois enfiamo-nos num centro comercial, o espaço público privilegiado do povo português, para discutir a coisa mais importante da vida e que se prende com a satisfação da primeira de todas as necessidades: vamos almoçar ao McDonalds ou vamos para algo mais saudável, tipo casa das sandes?
Não vale a pena os cerca de 700 mil desempregados manifestarem-se. Não vale a pena interrogarmo-nos porque é que o governo legitima todas as suas mudanças políticas através dos media. Não vale a pena manifestarmo-nos por salários iguais aos de outros países membros da União Europeia quando sabemos que iremos pagar taxas moderadoras na saúde equivalentes às praticadas na Alemanha. Não vale a pena dizermos aos nossos filhos que a vida é mais do que uma praxe e uma queima-das-fitas e um jogo de vídeo ou o último modelo automóvel. De nada vale a pena se a alma de um povo é pequena e habilmente manipulada por lobbies político-partidários. E, por vezes, a alma é difícil de serenar quando há muito ruído. Por isso, continuaremos a ir ao circo.
JC
Já agora, só uma achega que não está no outro texto sobre Portalegre: Além da Finos e da Johnson, há a situação da centenária Robinson que está pela rua da amargura e prestes a fechar a qualquer momento. Serão mais 300 (à volta disso).
Haveria também, claro está, de avançar para uma ampla discussão sobre a actuação dos media nesta e noutras situações. Infelizmente continua a ser mais fácil mostrar e falar com o desgraçado da lágrima ao canto do olho.
2 comentários:
E, infelizmente, quando o desgraçado não chora (por mil e um motivos, mais que não seja por até as lágrimas já estarem secas) a notícia é criticada e deixa de ter significado para os "chefões" de Lisboa, que acham que conhecem o país, lá do alto dos gabinetes dos prédios da capital.
Rita
...ninguém vai ao circo para conhecer a vida nos bastidores, a vida como ela é...
os palhaços querem-se pintados, patéticos... o homem atrás da máscara é só mais um ... e só mais um não interessa!
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