Saiu de cena sob os mais rasgados elogios. Brindado com os aplausos mundiais. Com o carinho dos milhões que se perdem de amores por esta estranha coisa capaz de juntar à volta da mesma gamela gente de todas as proveniências, saltando barreiras sociais e culturais. Brancos. Pretos. Amarelos. Ricos e pobres. Todos a comungar à mesma hora, fazendo profissão de fé mesmo que conduzidos por testamentos díspares.
Na hora da despedida, o encanto foi maior. Loas vieram do mundo inteiro. Cânticos entoados de coração aberto. Mesclas de adjectivos atestando qualidades profissionais, humanas. Por aí fora... Ouviu-se falar de heroicidade. De magia. De mestria. Daquela só consagrada aos maiores dos génios. Até das mais improváveis proveniências chegaram alvíssaras. É sempre assim na hora do adeus.
Perdido nas ruas da amargura, ameaçado com antecipado assalto ao poder, aquele a quem o crédito se encontrava coarctado, num assomo desesperado, lançou na mesa, batendo estrondosamente os nós dos dedos como quem anuncia manilha seca, cartada de mestre. Numa astuta jogada salvou a pele, roubou a batuta e transformou o Maestro em... menino de coro.
No reabrir da época o Maestro-feito-menino-de-coro ainda abre o sorriso. Ainda se pensa, ainda se vê, ainda o vêem de batuta, alinhando a pauta, olhar sério perante a orquestra, fazendo, concentrado, o segundo da pausa antecessora do troar do primeiro acorde.
Muitos, não direi todos, mas uma maioria, só lá para o quinto concerto da época vão perceber que ao Maestro já nem sobra a “aba de grilo”.
Só lá para a quinta sinfonia marcada para a catedral a mole vai olhar. Percebendo, então, que o Maestro há muito não segura a batuta.
Nessa altura, injustos como o raio que os parta, como são, aliás, todos os indefectíveis da coisa, vão rogar pragas lançando as mãos à cabeça, vociferando, bradando aos ventos lamentos interiores.
Nessa altura cuspirão no prato que lhes alimentou a alma. Farão do assobio e do insulto a pedra que há-de encerrar no túmulo aquele a quem um dia chamaram Maestro.
E talvez só nessa altura, a mole vai perceber que a maleita vinha de trás. Daquele que antes livrara a pele lançando o Maestro às feras. A não ser que o facínora tenha já, qual vigarista batoteiro, outra carta falsa na manga, pronta a lançar para que possa segurar-se nas gavinhas do poder totalitário. Absolutista. Despótico.
É duro perceber como o amor distorce o raciocínio.
É duro perceber como o Maestro se deixou embrulhar desta maneira.É duro ver Rui Costa, qual menino de coro, enxovalhado por um velhaco acossado pelo insucesso.
1 comentário:
Até te digo mais, ele era um dos raros símbolos das aves de rapina que eu simpatizava, como jogador claro, mas sobretudo pela sua postura na vida...e tudo foi por água abaixo!
Un grande abraço ao amigo lampião.
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