terça-feira, setembro 12, 2006

As gémeas de Hollywood

Os últimos dias ficaram marcados pela evocação do 11 de Setembro. Jornais, rádios e tv's fizeram do assunto primeira página, nalguns casos desdobrando-se em especiais de oportunidade discutível. Nas tv's vários foram os documentários exibidos. Alguns já conhecidos e transmitidos o ano passado. Outros novinhos em folha.

Característica de todos eles: resultam de trabalhos de investigação; trazem novidades e acrescentam dados; mostram e registam na primeira pessoa personagens e sobreviventes da tragédia; trazem à colacção, baseados em dados novos, temas antigos; suscitam e motivam novas discussões.
Lançam até olhares mais especulativos. Caso daquele documentário que aborda as grandes transações, locatárias e financeiras, em redor de companhias de seguros, bancos e construtoras de aviões e companhias aéreas, num verdadeiro ensaio conspirativo que faz tremer qualquer ser humano que ainda tenha boas intenções.
Característica (ainda) de todos os documentários é que toda a gente é colocada num patamar de heroicidade. Quase divindade. Todos são heróis. Os que morreram; os que se salvaram; os que ajudaram a salvar; os que supostamente lutaram, mesmo que não se perceba contra o quê ou quem. Numa visão global, alguns documentários colocam mesmo todo o povo americano nesse mesmo patamar de heróis divinos por conseguirem suportar tamanho acto traiçoeiro, sangrento.
Por último, quase todos os documentários nos chegam em jeito de obra Hollywood, com actores a interpretarem papéis daqueles que foram as vítimas - nos aviões ou nas torres. Quase conseguem confundir-nos. Fazer-nos acreditar estarmos perante imagens captadas dentro dos aviões e no interior das torres por câmaras que milagrosamente foram recuperadas.

Sabemos, todos nós, que o ataque ao World Trade Center existiu. Foi uma das mais duras realidades dos tempos modernos no mundo ocidental. Cada um de nós tem ainda memória de onde estava, o que fazia, ou quando soube da notícia. Conheço gente que estava mesmo na ilha de Manhattan naquela manhã (duas da tarde em Portugal).
Todos abrimos o coração, pasmámos, com a violência das imagens em directo trazidas pelas cadeias norte americanas. Tudo foi quase palpável. Nunca antes, nem depois dos ataques ao WTC nos chegaram imagens tão poderosas de qualquer parte do mundo - nem do 11 de Março em Madrid, nem dos atentados de Londres, ou de qualquer invasão bélica americana - com a clareza, evidência, crueza, daquele ataque soez ao centro financeiro do mundo a que nós, ocidentais, gostamos de chamar "civilizado". Por antítese do outro.

No tal "mundo civilizado", onde reina - apesar de ter cada vez mais nuances - a liberdade de expressão, temos acesso à informação (nos mais diversos canais) que tem sido produzida nos últimos anos sobre o 11 de Setembro. Mesmo sem querer já ouvimos milhares de analistas. Civis. Militares. Religiosos. De direita. De esquerda. Radicais de um e outro lado.
Apesar dessas nuances e apesar da linguagem jornalística andar cada vez mais presa à visão política oficial sobre o "nine-eleven", conseguimos, ter uma ideia precisa e clara do 11 de Setembro e alinhar a nossa ideia. Exprimi-la e senti-la em acordo com a nossa condição social, política, religiosa.

À soma dos documentários, juntámos mais umas boas dúzias de repetições, de diferentes ângulos e perspectivas, das imagens dos aviões a entrarem nas torres gémeas.
Imagens tão repetidas e capazes de impressionarem.

O regresso aos documentários.
Impressiona a forma como eles são realizados e como é tratada a informação neles contidos.
São documentários ao modo americano. Mega produções do mundo da fantasia. Excelentemente encenados e interpretados.
Documentários de excelente qualidade televisiva, mas colocados e mostrados num patamar em que não se realçam as qualidades jornalísticas ou de investigação.
Em lugar de profundos documentos jornalísticos de ultra-qualidade resultantes de estudos aprofundados, intermináveis horas de investigação e cruzamento de dados, os trabalhos chegam-nos como se tivessem sido tratados em Hollywood. Super-produções de Brian de Palma, Coppola, Spillberg. Ou do mais realista Oliver Stone - com película sobre o tema já apresentada em Veneza, suponho.

Apenas e só cinco anos depois, aqueles documentários criam ilusão de pura fantasia. Pelo meio só falta a personagem interpretada por Bruce Willis que tem sempre uma piada na ponta da língua, mesmo quando o cenário é o mais dramático e implica risco de vida.

O habitual olhar americano. Igual à "Tempestade no Deserto". Igual à libertação do Kosovo. Igual à mais recente intervenção no Iraque, que mais tarde ou mais cedo, como os outros, será mero tema de produção de filmes com maior ou menor orçamento em Hollywood.

Como se só dessa forma o mundo - todos nós - fosse capaz de entender a dor, interpretar a crueldade, sentir a raiva.

O problema é que tudo isto não é um filme. Foi real. É real. E ainda não acabou.

2 comentários:

Xplink disse...

Aproveitando a dissertação do amigo sobre este tema, que inevitavelmente deixa sempre no ar um cheirinho a "teoria da conspiração", (afinal há muita coisa mal explicada), aproveito para deixar aqui uma homenagem a um colega de profissão, vítima dessa mesma prodissão... por vezes há que recordar a grande frase que alguém disse um dia:"O jornalismo é uma forma de vida, não uma forma de morte"... e Bill Biggart's chegou perto demais... http://digitaljournalist.org/issue0111/biggart_intro.htm

Nuno Veiga

PS - Não vi esta história ser retratada em nenhum documentário (tb não os vi todos, que são já 911...ehehe), mas se as hospedeiras foram super-heroinas, este senhor tb o foi, tava lá para contar a história...

Anónimo disse...

Comentários sempre existirão, tragédia inigualável. Ficará na lembrança de muitos